Mesa redonda debateu, na tarde de terça (13/9), durante o 24º CBCENF, inovações assistenciais em Enfermagem na Saúde Reprodutiva. Com mediação da conselheira federal Ivone Amazonas, a mesa trouxe as experiências das enfermeiras obstétricas Dannyelly Costa, na implementação das consultas de Enfermagem ginecológica no Alagoas, e Elandia Chavez, no Distrito Especial Sanitário Indígena (DSEI) Xavantes.
A escuta atenta e o acolhimento integral são a base da consulta de Enfermagem. Acolhimento, testes rápidos, coleta do citopatológico, contracepção e encaminhamentos são parte de um único processo, que começa olhando nos olhos da paciente, com ouvidos atentos.
Dannyelly recorda o início da implementação da consulta ampliada de Enfermagem ginecológica, com a formação de 11 enfermeiros alagoanos, capacitados pelo Hospital Sofia Feldman, com apoio do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) e do Coren-AL. “A gente achava que eles iam nos ensinar a colocar o Dispositivo Intrauterino (DIU). Mas o que nos ensinaram foi a olhar nos olhos das mulheres, a enxergar a dor delas. No fim, o DIU é a ponta do iceberg”.
Os dados impressionam — a inserção de DIUs pelo SUS em Alagoas passou de 16 em 2016 para 491 em 2019, primeiro ano do programa –, mas não contam tudo. “O eixo da consulta é a mulher, seu empoderamento, suas escolhas, até seu prazer sexual. Somos nós, profissionais de Saúde, e em especial as enfermeiras, que vamos escutar e acolher essas mulheres”, explica Dannyelly.
Dannyelly lembra que uma paciente que, não estando apta para a colocação do DIU, chegou à consulta, aflita. O marido havia encontrado um golfinho (vibrador) na cama e estava há dias sem falar com ela. Danyelly escutou, atenta, a descrição do golfinho, a alegria que trazia. “Diga a ele que quanto mais você usa o golfinho, mas você quer ele também. No mar cabe todo mundo”, sugeriu. A paciente saiu, bem assistida e sem o DIU.
Marcos Normativos – Cabe aos profissionais também, orientar e encaminhar para serviços, conforme a escolha da mulher, para garantir direitos sexuais e reprodutivos. A enfermeira, que também é conselheira federal, cita como avanços a nova Lei do Planejamento Familiar e Reprodutivo, dispensando a autorização do cônjuge para realizar laqueadura e reduzindo as exigências anteriores, como a de que a mulher tivesse pelo menos dois filhos vivos.
No âmbito da normatização, os avanços incluem resoluções sobre ultrassonografia obstétrica, e consulta de Enfermagem ginecológica, que trazem segurança jurídica aos profissionais e melhoram a assistência, ao definir parâmetros mínimos de capacitação. Para a inserção do DIU, por exemplo, são exigidas no mínimo 70 horas de formação, sendo 20h teórico-práticas e 50h práticas, com, no mínimo, 20 inserções supervisionadas em consultas.
Foi justamente a ultrassom obstétrica que revolucionou à prática da enfermeira Elandia no DSEI xavante, que inclui 24,220 indígenas, 340 aldeias, em 14 municípios. “Hoje estamos presentes desde o início da gestação até o parto. É um avanço porque não existia isso”, relata Elandia.
Impacto na mortalidade – A mortalidade materno-infantil é alta entre os xavantes, etnia relativamente isolada, com tradição de casamentos pouco após a puberdade e famílias grandes. A maioria das mulheres xavantes não fala o português e não buscava pré-natal. A gravidez muitas vezes só era revelada no terceiro trimestre, timidamente, diante da constatação pela enfermeira.
Com a ultrassom obstétrica, as xavantes passaram a fazer questão da consulta, quando notavam atraso menstrual. Queriam confirmar a gravidez com o aparelho, ver o bebê. Chegavam, acompanhadas do marido, filhos, parteira da aldeia, animais domésticos. Em um região com acesso distante a maternidades e hospitais, a correta datação gestacional e identificação da posição do bebê é crucial para garantir a segurança, inclusive eventual remoção dos casos de risco.
A confiança permitiu o fortalecimento do vínculo, reduzindo a mortalidade por desnutrição com o sucesso de estratégias para resgatar o aleitamento materno, ameaçado pelo contato das xavantes com o leite em pó. Mesmo a contracepção não é mais tabu — com aval da comunidade, é ofertado anticoncepcional para aumentar o espaçamento entre as gestações, se for desejo da mulher. O intervalo curto entre gestações está relacionado a um maior risco de morte dos bebês.
Tecendo redes – As exposições, transmitidas também pelo aplicativo CofenPlay, se seguiram de amplo debate, com participação dos enfermeiros Herdy Alves, Vera Bonazzi e Elisanete Carvalho, da Comissão Nacional de Saúde da Mulher (CNSM/Cofen), profissionais, estudantes e gestores. Enfermeiros de Brasília interessados em se capacitar para o atendimento ginecológico já estão articulados com o Coren-DF e Cofen. “A capacitação de vocês está garantida”, conselheira regional Valda (Coren-DF). “Agradeço a oportunidade, porque a gente que encontrar as pessoas que fazem a diferença’